terça-feira, 1 de março de 2011

UM PADRE CHAMADO MIGUEL, UM BAIRRO CHAMADO PADRE MIGUEL (3ª PARTE)

3 - A HISTÓRIA DO BAIRRO

3.1. Das Fazendas e Chácaras à Fábrica Bangu e Quartéis

Tudo teve início em 1673, quando as terras que vão desde Deodoro até o começo de Santa Cruz, tendo como ‘muros’ os maciços do Gericinó e da Pedra Branca, faziam parte da área pertencente à Paróquia de Nossa Senhora do Desterro de Campo Grande, onde viviam padres jesuítas. Devemos ter em mente que nessa época a Igreja tinha um poder muito parecido com o que tem o Governo, possuía serviçais e terras à vontade, praticamente o Estado e a Igreja, eram os únicos poderes ‘constituídos’ existentes.
Mas, com o passar do tempo, a Coroa Portuguesa sentia que era preciso tirar lucro das terras onde hoje se situam os bairros da Zona Oeste. Como já não havia mais tanta harmonia entre a Igreja e o Estado, principalmente com a extinção da Companhia de Jesus em 1759. Houve a necessidade de repartir as terras: primeiro em fazendas; e depois de fazendas em chácaras menores, para o cultivo de cana-de-açúcar, toda a produção de produtos derivados da cana-de-açúcar era exportada pelo Porto de Guaratiba, chegando lá em carros puxados por bois. O nosso bairro fazia parte de um conjunto de terras que ficava ‘espremida’ entre as fazendas de Realengo e a de Bangu, onde tempos mais tarde se passou a plantar café, já que o preço do açúcar estava ficando baixo demais e dando prejuízo à Coroa Portuguesa.

As fazendas foram então, divididas entre os herdeiros e posteriormente, vendidas ou ‘encampadas’ pelo governo para as Forças Armadas, pois havia a necessidade de construir quartéis para abrigar o Exército, e os locais mais ao centro da cidade, já estavam ocupados por outras Forças ou utilizadas para a especulação imobiliária, já naquela época, no fim do século XIX.

A fazenda de Bangu, e um bom naco da fazenda de Realengo passou a pertencer à Companhia Progresso Industrial do Brasil LTDA, que fundou onde hoje é o centro do bairro de Bangu, a Fábrica de Tecidos Bangu, que veio a dar origem ao bairro. A outra parte que vai da fazenda do Realengo até Deodoro, ficou com as forças Armadas, no meio deste ‘cabo de guerra’, entre a influência da Fábrica Bangu e dos quartéis, ficavam as terras que dariam origem ao bairro de Padre Miguel. A Fábrica Bangu começava desde a década inicial do século vinte uma política de doação de terras e construção de casinhas operárias, com isso muitos trabalhadores passaram a construir ou a morar em casas da Fábrica e morar perto do trabalho.

Desde 1878, com a fundação do ramal ferroviário de Santa Cruz, as pessoas já passavam a fazer seus casebres beirando a linha de trem, através de invasões de terras ‘permitidas’ pela Fábrica Bangu e pelo Exército, daí nasceram algumas das comunidades mais antigas da localidade. Tempos mais tarde a Fábrica, através do seu Serviço Pecuniário, começou a implantar infra-estrutura e construir apartamentos no local, de onde saíram os do IAPI.

3.2. Desenvolvimento do Bairro na História da Cidade e do País

Não haveria como falar do bairro de Padre Miguel, sem antes citar o início do processo de povoamento do local. O local onde fica a Zona Oeste, era de propriedade da Igreja até 1673. Padre Miguel, como a maioria dos bairros do subúrbio do Rio e da Zona Oeste, fazia parte, em tempos remotos (entre os séculos XVII e XVII) de uma região de chácaras e fazendas, oriundas da divisão das terras da Paróquia Nossa Senhora do Desterro de Campo Grande. Essas chácaras e fazendas do local pertenciam as chamadas Terras Realengas ou Terras Renegadas, mais tarde foram denominadas de Sertões do Rio.

Aqui, na época das Fazendas de Bangu e de Realengo, houve nos séculos passados, o plantio de cana-de-açúcar e de café, acompanhando o desenvolvimento agrícola do país, com seus engenhos produzindo e exportando para a Europa pelo Porto de Guaratiba, a cana-de-açúcar e seus derivados (açúcar, rapadura, cachaça, etc) para enriquecer os fazendeiros e a Coroa Portuguesa, no início.

Algo que contribuiu para atrair pessoas para cá foi a descoberta do ouro nas Minas Gerais, uma vez que o Rio de Janeiro tinha importante papel na geopolítica da época, como porto principal e área administrativa nacional, muitos vinham na ilusão de enriquecer e acabavam sem ter como voltar para seu lugar de partida, outros vieram como carregadores, que transportavam as cargas até o porto, mas com o fim deste ciclo, acabaram por ficar em outras atividades, outros, também resolveram ficar por aqui, mas pela compra de terras, apostando no crescimento da região em termos agrícolas.

Posteriormente (do início até meados do século XIX e até a metade do século XX) o café ficou com o maior destaque, entre 1820 e 1850, já no Brasil Imperial, pois havia suplantado a cana-de-açúcar em seu valor de troca. As mesmas Fazendas de Bangu e do Realengo passaram a produzir café.

Produziam e exportavam seus produtos também para a Europa, mais tarde no final do século XIX, desta feita, já no Brasil Republicano, as terras da Fazenda de Realengo e de Bangu se encontravam nas mãos do Exército do Brasil e da Companhia Progresso Industrial do Brasil, por causa da baixa produtividade das terras das fazendas e para amenizar prejuízos os fazendeiros resolveram vendê-las ou doá-las.

Outro fato que contribuiu para a formação do contingente humano da região onde se situa o nosso bairro, foi o fato de que com o fim da renda das fazendas e a libertação dos escravos, muitos ficaram por aqui mesmo, pois enquanto as terras estavam sendo amealhadas por outros, estes invadiam nacos da ‘fronteira’ entre fazendas e construíam barracos e começavam a plantar para subsistência. É comum encontrar por aqui pessoas que descendem de ex-escravos que trabalharam nas lavouras da região.

Do começo até meados do século XX, aqui na região se plantava muito produto de monocultura como a cana-de-açúcar, o café e o algodão, mas para não perderem dinheiro, como ocorrera com as safras de 1929 e 1930, os donos das terras que agora pertenciam a fábrica de tecidos diversificaram a produção, plantando banana e laranja, além de leguminosas e verduras nas suas terras e essa área onde nos encontramos hoje passou a funcionar, grosso modo, como Teresópolis e alguns bairros da Baixada Fluminense, fornecendo frutas e legumes para a core-área local até o fim da Segunda Guerra Mundial, a região ficou famosa com os seus pomares de laranjas, o que rendeu um belo livro (Meu pé de Laranja Lima) ao escritor local José Mauro de Vasconcelos e uma novela homônima bastante atraente adaptada do livro, que contava a infância ingênua e segura do bairro de Bangu na época dos laranjais.

Como a guerra endividou os compradores das laranjas estas foram sendo deixadas para um segundo plano, ainda mais que todo o incentivo do Governo era no sentido da industrialização por substituição de importações, logicamente por não se ter de quem comprar máquinas e produtos industrializados, uma vez que a Europa e os Estados Unidos estavam participando da Segunda Guerra. Inclusive há boatos (nada comprovado) de que as primeiras grandes siderúrgicas brasileiras, ajudadas pelos Estados Unidos, foram trocadas pela entrada do Brasil na Segunda Guerra, onde alguns miguelenses acabaram se alistando e participando desta Guerra, mesmo que só tomando conta de fortificações nas fronteiras do país. Portanto, nosso bairro está representado na História da nossa cidade e do nosso país.

3.2.1. Terras Realengas ou Terras Renegadas

Durante todo o período colonial e boa parte do Republicano (no início do período), a localidade onde se encontra atual Zona Oeste do Rio de Janeiro, que abrange os bairros a partir de Deodoro, indo na direção oeste do Centro do Rio de Janeiro, até o bairro de Santa Cruz, incluindo-se nesta região bairros como: Realengo; Padre Miguel; Bangu; Senador Câmara; Campo Grande; Guaratiba; Sepetiba, entre outros, foi, como dissemos, denominada como ‘Terras Realengas’ ou ‘Terras Renegadas’, devido ao ermo em que se encontrava e a distância dos locais de movimento de pessoas e mercadorias importantes dos períodos citados, por isso, vieram a ser conhecida mais tarde, conforme dissemos, como ‘Terras do Sertão’, por causa do isolamento e pela aparente dificuldade em se tirar destas terras algo de produtivo, devido à aridez do lugar, o que o passar do tempo revelou ser uma inverdade, pois o local já fora, outrora, como já dissemos, ponto de cultivo de cana-de-açúcar, de café e de laranja e banana, sendo posteriormente um dos pólos industriais de tecidos (Bangu) e calçados (Bangu e Campo Grande) do Rio de Janeiro e hoje, tem como sua maior característica o comércio (Campo Grande) e os serviços diversos (Bangu, Campo Grande, Santa Cruz e Sepetiba-portuária).

3.2.2. As Ferrovias

O bairro de Padre Miguel deve sua existência à vários fatores, como por exemplo ao próprio crescimento populacional da cidade do Rio de Janeiro, aos ciclos da cana-de-açúcar e do café, ao aumento no preço de terras nas áreas centrais, à queda do preço do café e a venda das terras do local, à implantação das ferrovias, ao crescimento industrial do bairro vizinho de Bangu, através da Fábrica de Tecidos, ao Exército, que implantou no outro vizinho, Realengo, uma Fábrica de Cartuchos. Segundo a Companhia Brasileira de Trens Urbanos, a origem de muitos bairros foi proporcionada pela expansão dos seus trilhos.

"A implantação da Estrada de Ferro D.Pedro II, na segunda metade do século XIX fez parte de um processo de desenvolvimento econômico-social da Província do Rio de Janeiro. A lavoura de café evoluía com as grandes plantações em Valença, Vassouras, São João Marcos e outras localidades.

No perímetro urbano, surgiram os bancos, casas comerciais, indústrias e pequenas manufaturas. Desenvolvia-se a navegação marítima fluvial. A proibição do comércio de escravos e a chegada de imigrantes em busca de trabalho, entre eles nordestinos, liberados pela lavoura canavieira em crise, trouxeram aumento considerável da população urbana.

A ferrovia, como único meio de transporte viável, constituiu o pólo de atração para os núcleos populacionais que se instalavam ao longo de seus trilhos. Com o crescimento da cidade, valorizando os bairros nobres, mais próximos do Centro, milhares de trabalhadores empregados no comércio, bancos, manufaturas, entre outros, foram deslocados pouco a pouco, para os subúrbios mais distantes servidos pela Estrada de Ferro D. Pedro II.

Após a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, a Estrada de Ferro D. Pedro II passou a denominar-se Estrada de Ferro Central do Brasil.”(RFSSA/CBTU)

Eram as terras que pertenciam ao Exército Brasileiro, à Seda Moderna e à Fábrica Bangu, ‘compradas’ junto aos fazendeiros falidos ou endividados, devido ao baixo preço dos produtos agrícolas, e ao desestímulo ao plantio no início da República, por causa da queda do Império e Proclamação ainda muito desorganizada da República nos fins do século XIX.

Quando o ramal ferroviário de Santa Cruz foi inaugurado (fins do século XIX), e algumas estações e paradas de trem se disseminaram pela região onde hoje temos a Zona Oeste, algumas companhias industrias se sentiram atraídas pelas terras da localidade, em especial pela área compreendida entre os bairros de Deodoro e de Campo Grande (fins do século XIX e início do século XX), houve a troca da economia apenas rural do lugar, para uma polarização do desenvolvimento para o local, aproveitando-se as terras ociosas.

Na verdade, como já relatamos anteriormente, até as companhias continuavam plantando nas áreas onde antes havia fazendas, só cessando o cultivo com a exaustão das suas terras e a extinção de terras nobres e agricultáveis mais próximas pelo mau uso, o que fez com que se desvalorizassem todas as terras do local (década de vinte e trinta), somente a laranja resistia, em volume exportável, mesmo assim com fortes competidores a lhe retirar o lucro, como por exemplo, a Baixada Fluminense e municípios do interior de outros estados.

Para intensificar as atividades industriais as fábricas seguiam o modelo fordista, o de manter turnos ininterruptos de trabalho (oficiosamente), trabalho em equipe, muita mão-de-obra, oferecer vila operária para manter o trabalhador por perto, doar terras para ter serviços estatais nas proximidades o que desoneraria a produção e serviços, e também doar ou vender terras tidas como inúteis aos trabalhadores da ativa e como forma de previdência.

Enquanto isso o Exército Brasileiro ocupava as terras herdadas das extintas fazendas com a construção, é lógico, de quartéis, de arsenais, de paióis e campos de instruções no local onde se localiza o Gericinó. Também o Exército financiou casas para seus oficiais, suboficiais e até para os soldados na região que vai de Deodoro até Realengo.

Deixando de ocupar as áreas onde fazia limite com as terras da Fábrica Bangu, o Exército acabou colaborando com as invasões, principalmente em lugares onde hoje temos a Vila do Vintém, beneficiada pela construção de uma estação ferroviária no local, depois denominada Padre Miguel e as favelas que beiram o Campo do Gericinó, que se aproveitaram da inauguração da Avenida Brasil para acessarem as terras e se fixarem ali.

3.2.3. Os Apitos das Fábricas

Como bem explicado acima, um dos bairros que nasceram por causa da proximidade com as linhas férreas foi o nosso, com a construção das estações ferroviárias para facilitar a chegada de trabalhadores de longe às fábricas do bairros vizinhos, houve a concentração de atividades próximas tanto das fábricas, quanto das estações, o que favoreceu a permanência daqueles que viriam apenas para trabalhar nas fábricas.

Por outro lado, as atividades nas indústrias locais da época era em dois a três turnos de trabalho e nas fábricas a jornada chegava a 20 horas diárias, por vezes ultrapassando, somando-se a isso a longa viagem e os atrasos constantes dos trens, quando não às intermináveis suspensões de circulação (que se hoje são comuns, imagine no começo do século XX), era melhor para a maioria dos operários que se estabelecessem na área, como no centro dos bairros mais esfuziantes do local era impossível de plantar moradia, devido os terrenos terem donos poderosos como o Exército Brasileiro e a Companhia Industrial do Brasil, e também pelo fato de a Vila Operária estar plenamente ocupada e da doação de terrenos das fábricas para a prefeitura, muitos tiveram que manter um certo afastamento do seu local de trabalho, nada que uma caminhada de quarenta minutos não resolvesse, apesar de ser feita em trilhas e picadas na mata, até então comum nos arredores.

3.2.4. Além da vila operária

Além da vila operária havia, somente, algumas pequenas manchas de pré-urbanização como os loteamentos nas proximidades do local onde hoje se encontram a Avenida Brasil, e a estrada da Água Branca e no local onde hoje se estabeleceu o Parque Leopoldina até perto de onde está a estrada Cônego de Vasconcelos, todos provenientes do desmembramento ou possessão de fazendas, chácaras e sítios improdutivos do local, pois os proprietários estavam especulativamente, e tão somente isso, esperando pela sua valorização imobiliária, via implantação de infra-estrutura básica pelo governo, para venderem essas terras.

Algum tempo depois, surgiram os primeiros conjuntos de casas, mais amplas, em se tratando de objetivarem classes sociais médias baixas, logo depois doadas ao governo e a prefeitura para a instalação de órgãos públicos e bancos.

3.2.5. Os Conjuntos Habitacionais

Tempos mais tarde, do início até a metade da década de quarenta, aproximadamente entre 1941 e 1946, começou-se a promover o assentamento de famílias de classe média baixa, oriundas da Companhia Industrial do Brasil (Fábrica de Tecidos Bangu), em conjuntos habitacionais de porte bastante confortável como no do caso dos antigos Conjuntos do IAPI (Instituto Assistência Previdenciária dos Industriários), hoje conhecidos como conjunto da Caixa D' água e do INPS de Padre Miguel.

Esses conjuntos, apesar de feitos para população operária de renda baixa, privilegiava o bem estar: por serem bem ventilados; feitos com materiais resistentes (haja vista o tempo de existência); esquentam pouco, o que favorece o morador, pois a média de temperatura do local é de cerca de trinta graus na sombra e possuírem cômodos relativamente grandes e em número adequado para uma família média.
Esses conjuntos, do IAPI/IAPAS/INPS em Padre Miguel, conhecidos como apartamentos velhos, e o do IAPI/INPS apelidado de caixa d’água entre Padre Miguel e Realengo, hoje em dia se encontram densamente povoados, mas não são, em sua minoria, pelos moradores originais ou pelos seus descendentes diretos, mas é possível notar que todos se apresentam com marcas próprias de civilização, ou seja modificados com a construção de apêndices, que são: as garagens, os puxados, as coberturas, as mini-lojas, para satisfazerem o modo de vida da população local, numa prova de que o homem personifica seu habitat, construindo seu espaço geográfico que se constitui das coisas, objetos naturais ou artificiais que se tornam completo com a presença do homem que lhe imprime função e forma espacial, bem exemplificado neste contexto.
Mais tarde, na década de setenta, período do governo de Chagas Freitas (1971/1974), foram construídos na região de Bangu, os demais conjuntos habitacionais. Com seus prédios de apartamentos (Dom Jaime Câmara – Padre Miguel) ou casinhas (Ubaldo de Oliveira – Cancela Preta) bem estreitados, que parecem xerocópias repetitivas uns dos outros, como numa espécie de surto psicótico governamental em transformar seres humanos em passarinhos engaiolados.

Estes conjuntos foram construídos para abrigar a população de baixa renda das favelas em volta dos bairros nobres do Flamengo, Leblon, Copacabana, Gávea, Leme, removidas durante o governo de Chagas Freitas o que não resolveu o problema da High Society da época, a hoje não tão pujante Zona Sul, pois os primeiros moradores não se agradaram do lugar e resolveram vender seus nacos de concreto.

Como dissemos, com o passar de algumas décadas, surgiram outros conjuntos habitacionais na região vizinha, também feitos para abrigar as populações desfavorecidas de locais nobres da cidade, em Bangu como o da Vila Kennedy e o do Jardim Bangu, que passaram a rivalizar em termos de domínio de território com os de Padre Miguel, principalmente em se tratando do controle do tráfico de drogas pelas facções rivais, o Comando Vermelho e a ADA. Inclusive boa parte da população da Zona Oeste, é formada por contingentes populacionais que foram removidos das favelas de outras áreas da cidade do Rio de Janeiro, que trouxeram como marca de sua ‘digital’ a violência latente e ódio umas pelas outras, pois já eram inimigas no seu locus inicial.

Os favelados das áreas centrais, foram transferidos para a Zona Oeste principalmente, nos últimos 40 anos, e essa população era bastante insatisfeita, pois vieram, na maioria, contrariada, muitos não tiveram o apego necessário aos bairros que lhes receberam e na primeira oportunidade ou voltaram para os bairros de onde saíram ou foram para outros municípios, como os da Baixada Fluminense, que ofereciam melhor integração com o Centro. Sendo que, os que ficaram, muitos fizeram migrar seu ódio para o próprio sítio acolhedor, o que justifica em parte a violência que assola a região.

Ficaram apenas algumas poucas famílias dos favelados originários das áreas centrais do Rio de Janeiro e mais tarde houve uma chegada de pessoas atraídas pelos loteamentos baratos da região (Murundu, Sete-Sete, Cancela Preta,...), juntos os novos ‘repatriados’, a seu modo, resolveram a questão da frieza do concreto, da monotonia e impessoalidade dos conjuntos, pela criatividade com que imprimiram no passar dos anos sua ‘digital’ própria, suavizando, humanizando e vitalizando o bairro de maneira frenética e colonizaram, mesmo que desordenadamente o local que conhecemos hoje como Padre Miguel.

Essa união, consolidada pela truculência do estado, pelo acaso e pela necessidade, resultou na criação de fortes Associações de Moradores, como a do Dom Jaime Câmara e da Araquém, e estas, junto com demais moradores, resolveram quase todos os problemas que havia in situ, a falta naquela época de: comércio, de escolas particulares, postos de saúde, clínicas médicas, etc... só não foi possível vencer (ainda), um problema gravíssimo do lugar o tráfico de drogas, que é a principal causa de mortes no local, principalmente entre a população entre doze e trinta e cinco anos de idade, seja em embates diretos ou por balas perdidas.

3.2.6. O Avanço do Narcotráfico em Padre Miguel

Também conhecemos o lado negro destes conjuntos, quase todos com excessiva poluição visual, enfeiamento da paisagem e muitos deles têm histórias de violência para contar. O conjunto Dom Jaime Câmara teve épocas de lutas acirradas pelo domínio local. Primeiro entre a rua I e a rua P, sendo que os moradores de um lado não podiam, de maneira alguma, sair de uma área de influência e ultrapassar os limites do território de cada ‘barão da droga’. Depois vieram as contendas dessas duas ruas, agora unidas e irmanadas (década de oitenta), contra a insurgente Vila do Vintém, pela hegemonia do tráfico no bairro.

Acompanhando bem de perto a conduta dos moradores do bairro em sua periferia acometida pelos desmandos dos traficantes, nota-se que quando se faz qualquer perguntas à respeito da violência local, todos desconversam e mostram o quanto estão acuados, mas não se faz necessário perguntar nada, absolutamente, o simples passar de olhos pelas vielas sujas é o suficiente para ver jovens esquálidos armados e com seus semblantes assustadores, esses não demonstram nenhuma timidez em falar de sua vida pregressa e mostrar com um prazer, que beira a lascívia, suas armas vindas quase sempre da Europa Oriental, seja parados na entrada da favela da Vila Vintém, ou nas demais do bairro.

Acontecia nessas favelas, fenômeno parecido com o da divisão da Alemanha pela Guerra Fria, quem mora em local razoavelmente distante da Vila Vintém, e por esse motivo controlado por facção inimiga, acaba perdendo o contato com meus familiares que lá se encontram, pois na maioria das vezes havia conflito entre os manda chuvas do Conjunto Dom Jaime Câmara e a comunidade citada acima, numa alusão carioca ao ‘Muro de Berlim’. Não há como negar o medo. Imagine então quem convive diuturnamente com ele.

3.2.7. A unificação do Narcotráfico em Padre Miguel

De março de 1987 até setembro de 1998, observou-se um novo paradigma no local, com trocas de poderes na localidade, no que tange ao tráfico de drogas e ao jogo do bicho, moradores do local dão subsídios para as constatações dessa pesquisa, pois para chegar ao local de labuta e de estudo, a maioria tinha de passar pelos sub-bairros vizinhos, passando pelo ‘buraco do Viana’, tinha o pedágio que muitos pagavam para ter acesso ao outro lado da linha férrea. Até que em 1988 houve uma troca de comando, com o assassinato dos bandidos que atormentavam a Vila Vintém e a Sete – Sete.

Mas o fato importante, é que a mando do novo chefão do narcotráfico local, seus soldados derrubaram os tais cobradores de impostos improvisados e Padre Miguel passou a ter de certa forma, vida tranqüila, isso se comparada ao estado de coisas que havia antes. A partir daí houve várias guerras pela hegemonia do narcotráfico em Padre Miguel, culminando com a tomada total de poder por uma única facção a da ADA, que, utilizando-se das táticas militares tomou de assalto os morros e as favelas circunvizinhas e até mesmo de outros bairros da Zona Oeste.

Podemos dizer sem sombra de dúvida que a Vila Vintém é a capital do narcotráfico da Zona Oeste, era de lá que até bem pouco tempo atrás partiam as ordens da tomada de territórios e a assimilação de outras bocas de fumo e contingente de empregados para suas atividades, o que faz lembrar as guerras espartanas, contando para tanto com armamentos pesados; táticas de guerrilhas e farto apoio logístico.

3.2.8. Padre Miguel da Colônia à Globalização

Vimos, portanto, que a história do bairro de Padre Miguel está intrinsecamente relacionada com a história do país, desde o Brasil colônia, com os engenhos de cana-de-açúcar e fazendas de café, perpassando pelo período republicano, até a era globalizada das uniões, inclusive das facções criminosas mundiais. Notamos que o bairro não teve em nenhum momento uma ‘presença’ muito notável em relação à agricultura, à indústria e ao desenvolvimento econômico ou financeiro da região em destaque, mas a segunda metade do século XX trouxe a tona uma face do bairro que viria mais tarde a torná-lo um dos mais famosos do país, a sua escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel que projetou o bairro em todo canto da nação, sendo até mesmo conhecidos (a escola e por conseqüência o bairro) internacionalmente.

Sobre esse detalhe, que caracteriza o bairro como um dos mais famosos do Brasil, falaremos nos próximos capítulos, pois antes devemos conhecer o habitante de Padre Miguel no seu dia-a-dia, como vive ou sobrevive o miguelense, como está sendo conduzido o futuro dos que moram neste que é um dos bairros mais densamente ocupados do Rio de Janeiro e como cada miguelense pode ajudar a desenvolver melhor o bairro.

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