BANGU SÉCULO XXI: UM BAIRRO SITIADO PELA VIOLÊNCIA
Bangu e as Cercanias Perigosas
Mesmo aquele que não more nas cercanias do bairro de Bangu, nota que o bairro é (como a nossa própria cidade e como o mundo econômico do Norte-Sul) bastante dividido, de um lado temos algumas boas mansões de outro casebres e barracos, os ricos estão mais na parte sul do bairro, onde o povoamento é mais antigo e de gente um pouco mais abastadas, que veio para cá com o objetivo de morar num bairro tranqüilo.
Temos no bairro, um bom centro comercial e bancário, sendo que tudo isso cercado por várias comunidades: algumas abastadas; outras nem tão ricas como as de ocupação mais antiga, mas estabilizadas; outras ‘remediadas’ mas pobres, mas com razoável condição de sobrevivência; e muitas paupérrimas, pois é aí, nesta periferia do bairro que encontramos as comunidades mais sofridas, são, na maioria, extremamente pobres, algumas fazem lembrar cenas do Nordeste brasileiro, nos anos de secas eternas ou da África sub-saariana, com seus seres humanos esquálidos.
O entorno do bairro / comunidades carentes
No bairro de Bangu hoje em dia, vivem pessoas em várias comunidades carentes, muitas até bastante violentas, sendo as que têm número o maior incidência de miséria e criminalidade latentes, são as seguintes:
• Comunidade da Vila Moretti;
• Comunidade do Morro São Bento;
• Comunidade da vila Aliança;
• Comunidade da vila Kenedy;
• Comunidade da Carobinha;
• Comunidade do Catiri;
• Comunidade do Jardim Bangu;
• Comunidade da Vila Vintém (Padre Miguel);
• Comunidade do loteamento 77 (Padre Miguel);
• Comunidade do Conjunto Habitacional Dom Jaime Câmara.
A absoluta maioria dos cidadãos, que mora nessas comunidades, convive diretamente com a violência que assola nossa cidade, de forma direta, o que influencia na postura de vida (hábitos e atitudes) que adotam para poderem sobreviver e principalmente no desempenho escolar de suas crianças, que se vêem obrigadas até mesmo a abandonar a escola, principalmente quando estas comunidades entram em conflito uma com as outras devido aos desmandos do tráfico de drogas, que não permite que o cidadão saia de uma região para a outra, ferindo o direito constitucional de ir e vir e pela quase total ausência e conivência do Estado, que não toma atitudes verdadeiramente concretas contra estes desmandos.
Não por saudosismo, mas relembrando a ‘época áurea’ do bairro (dos anos 30 e 40, se prolongando não menos fulgurante até os anos 60 e decaindo um pouco pelos anos 70 e 80 – sempre sob a batuta das Dinastias ‘Silveira’ e ‘Andrade’, e pelo que colhemos nas pesquisas com pessoas idosas do bairro, moradores antigos, alguns, inclusive, cooperando com farta contribuição material (fotos e livros) e intelectual (relatos precisos de épocas ímpares da região) para este trabalho. Trabalho este, que faremos o possível para que seja repassado para os mais jovens no intuito de continuarmos mantendo sempre viva na memória a história deste bairro e de seu entorno, que tanto prezamos, para futuras gerações.
Esses sábios anciãos de Bangu contam que seus antepassados foram privilegiados em viver no bairro na época dos laranjais, que serviram de inspiração para o escritor José Mauro de Vasconcelos escrever um clássico da nossa literatura, o livro ‘Meu Pé de Laranja Lima’, quando os problemas atuais ainda não existiam, e a população era menos ‘selvagem’ e bairro decolava no rastro da Fábrica Bangu, em sua “Belle Époque” trazendo desenvolvimento e notoriedade ao local durante a era da família Silveira, que, de fato, melhorou bastante as aspirações sociais do bairro, bem como a qualidade de vida dos moradores.
Violência latente
De todos os bairros cariocas, não se tem dúvida, ser o de Bangu, o que mais sofre com a violência e o descaso, digo isso, porque todos os bairros da Zona Sul, alguns da Zona Norte, a Barra da Tijuca e o Centro da cidade, além de contarem com um razoável contingente policial, tem a seu favor a própria mídia, que está sempre com seus repórteres e câmaras em ação para documentar qualquer cena de bang bang que por acaso venha a ocorrer. Já Bangu e a Zona Oeste, esta, por sinal, é bem pouco apreciada pela mídia, ou por não render no ‘IBOPE’ ou por não ser um bairro tão nobre.
Devemos ressaltar que a própria história do bairro é marcada, no seu início, por um crime cometido por disputas de terras, algo comum hoje apenas nas regiões rurais e periféricas. O caso foi relatado como o assassínio do fazendeiro João Manuel de Melo, que era proprietário da fazenda e do engenho de açúcar que detinha o nome idêntico ao do bairro, Bangu, fazenda esta que fora comprada junto ao antigo dono e fundador Manuel Barcelos Domingues. Um crime que pode parecer estranho em se tratando de atualidade, mas no fundo a causa é sempre a mesma a luta por conquista ou manutenção de território.
Por sofrer a invasão populacional, que traz consigo ainda mais violência para o lugar que já a possui em número bastante elevado e em conseqüência aumentá-la ainda mais, tornando latente o estado de guerra urbana, é que podemos afirmar ser a localidade de Bangu um bairro sitiado, com direitos a toque de recolher decretados pelos “reis do pó” sempre que há guerras entre traficantes de quadrilhas rivais pela posse de territórios viáveis ao lucro, ou quando das inúmeras fugas dos diversos presídios e casas de detenção da circunvizinhança.
Observando o mapa da cidade do Rio de Janeiro, também notamos que o centro do bairro está limitados por outros bairros e municípios tão assolados por crimes quanto ele e alguns ainda bem piores, com maiores índices de criminalidade, perfazendo assim, um cinturão de violência e de tráfico de drogas que passamos a chamar, em alusão ao american way of life, de Drug Belt.
À oeste, Bangu se limita com o bairro de Senador Câmara (Sapo e Rebu), muito famoso pelos coletivos incendiados em dias de guerras costumeiramente; ao sul, próximo ao maciço da Pedra Branca, temos menos problemas devido a dificuldade geográfica proporcionada pelo ‘paredão’, que impede a migração criminosa dos bairros mais meridionais, inclusive esse conjunto de morro empresta seu nome ao bairro, como já dissemos, do tupi ‘Bangu, que significa anteparo negro’ em alusão à sombra que ele impõe sobre o vale onde o bairro se formou; indo para o leste, ainda sob nossa área de influência AP – 5 (Área de Planejamento da Prefeitura do Rio de Janeiro), 34ª, 33ª e 31ª DPs e das XVII e XXIII RAs, temos os, também bastante conhecidos por casos de violências de toda natureza, bairros de Padre Miguel e Realengo (Vila Vintém e Sete-sete), Magalhães de Bastos (Fumacê, Batan e Curral das Éguas), Ricardo de Albuquerque, Anchieta e Parque Anchieta, todos eles debaixo das asas do 14º Batalhão de Polícia Militar e da 8ª Área Integrada Segurança Pública; ao norte e a nordeste encontramos os locais mais complicados, Vila Moretti, Vila Kenedy (Metral), Catiri e Jardim Bangu, todos com índices bastante elevados de delitos grandes e pequenos; ainda ao norte, mas separado pelo maciço do Gericinó, temos Nilópolis e Nova Iguaçu, dois municípios da carente Baixada Fluminense, estes bastantes evidenciados pelos diversos tipos de crimes ocorridos: latrocínios, chacinas, lutas pela posse de terras, crimes políticos e queimas de arquivos.
Devido ao alto índice de crimes autóctones, como se já não nos bastassem os próprios da violência do bairro, como os causados pelo narcotráfico; temos acrescentada à nossa, a violência importada, pois o bairro de Bangu exerce efeito polarizador, fazendo com que pessoas dos bairros vizinhos migrem para cá, atraídas pela facilidade de transporte, vindo principalmente para comprar no comércio local e outras que vem mesmo no intuito de moradia, devido as condições de vida ainda não tão deterioradas do bairro em comparação aos demais da região, sendo que muitas delas não encontrando habitação a preço razoável, migram para a periferia sem infra-estrutura e dominada pelo narcotráfico.
Para piorar o quadro, segundo a Secretaria Municipal do Trabalho e a Escola Nacional de Estatística do IBGE, 55% dos jovens entre 15 e 24 anos que moram em favelas do Rio de Janeiro não estudam, não trabalham e já desistiram de procurar emprego. Estes jovens sem qualificação e à beira da mendicância, devido aos já precários laços familiares e econômicos, com certeza engrossarão as estatísticas da criminalidade futura, pois se tornam presas fáceis dos narcotraficantes da área, formando um enorme exército de reserva de mão-de-obra para o tráfico de drogas, some-se a estes dados a quantidade de reservistas das forças armadas que encontrarão um mundo globalizado e neoliberal aqui fora, serão, na maioria o Know How que faltava ao tráfico até bem pouco tempo atrás, suas táticas de guerrilha urbana e treinamento de selva serão bem vindos aos “barões do pó”.
Tão perto da criminalidade, tão longe da cidadania
No início de 2001, a Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Instituto de Pesquisa Econômicas Aplicadas (IPEA) realizaram um mapeamento da condição de vida dos moradores cariocas, segundo fatores sociais e econômicos. Através do IDH, Índice de Desenvolvimento Humano e do ICV, Índice de Condições de Vida, fizeram um mapeamento da riqueza e da pobreza carioca, um retrato adequado da nossa realidade, os índices vão de zero a um, sendo o bairro que mais estiver próximo do um, goza de melhores condições de educação, saúde, lazer, saneamento básico, etc. Como a distância de um dígito é muita curta, um décimo a menor tem valor significativo na interpretação dos dados dessa análise Geográfica Quantitativa.
Os números do IDH mostraram que no Rio de Janeiro existe uma dramática diferença social, por exemplo no topo da listagem, entre os bairros nobres da cidade estão: Lagoa, em 1º lugar, com IDH de 0,902; a Gávea em 2º com 0,896; Jardim Botânico em 3º, com 0,894; o Leblon em 4º, com 0,894 e a Barra da Tijuca em 5º, com 0,886. No lado inverso da tabela ficaram os primos miseráveis, a saber: Santa Cruz (rural), o pior de todos, com IDH de apenas 0,558; Acari, em penúltimo com 0,573; Complexo do Alemão, em antepenúltimo, com 0,587; Rocinha, com 0,591 e Complexo da Maré, com seus míseros 0,597.
Isso sim é um exemplo pragmático de desigualdade social, que ocorre bem debaixo dos nossos olhos e na maioria das vezes esquecemos de prestar atenção, talvez por conveniência, por hipocrisia ou por vergonha, como bem disse, Zuenir Ventura, uma cidade partida. Não façamos destas páginas ‘muro de Lamentações’, com choramingas e apelos para sensibilizar o governo, nem precisamos de outras formas de muros para sobreviver ao caos urbano da nossa cidade outrora maravilhosa, ou seja: de ‘muros Berlim’ ou ‘Muralhas da China’ como os condomínios já fazem veladamente.
Notamos que Bangu é a região onde há a maior quantidade de homicídios, mas também sabemos que a violência é um câncer generalizado e em metástase, pois vem se espalhando por todos os bairros cariocas, municípios limítrofes, outros estados, até mesmo nas cidades do interior, antes tidas como reduto do aconchego e da segurança.
Portanto não foi ao acaso que escolhemos falar de Bangu, ora, outros bairros cariocas já tem seus defensores ferrenhos, sejamos bairristas por um momento e lutamos por nossa região. Principalmente, pelos seus moradores que sofrem com a violência, pelos profissionais do ensino que precisam lecionar para alunos destas comunidades marcados pela cisão de valores morais, pelo pessoal da área médica que lida com o resultado final dessa violência, por muito mais...por isso, é bastante confortável escrever sobre o assunto e sobre a localidade, uma vez que observa-se diariamente a conseqüência e ouve-se por diversas vias que há uma contenda não declarada ceifando vidas jovens que poderiam estar produzindo para o progresso do país.
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