terça-feira, 18 de junho de 2013

O COMÉRCIO DE RUA (E DEMAIS SERVIÇOS INFORMAIS) E A DIALÉTICA DA ORDEM E DESORDEM


Não é de hoje que nos deparamos com o embate entre o Poder Público e Poderes Paralelos na Cidade do Rio de Janeiro, principalmente nas áreas mais periféricas, que estão, mais notadamente, órfãs da ação limitadora e mediadora do território exercida pelas entidades governamentais nas três esferas do poder institucionalizado. 

O comércio de rua, bem como demais serviços alternativos, transformam a urbe de modo radical se apossando de uma série de serviços que nos é devido pelo estado. Tendo em vista que o fator emprego / desemprego, pode gerar o caos urbano e fragmentar o espaço, através da luta pelo território, qualquer que seja, desde o mais amplo possível, como o da estrutura viária (motoboys, Kombeiros e Vanseiros) ao mais restrito, como nacos de calçadas das vias públicas e de largos e praças dos bairros da cidade.

Justifico a opção pela região de Bangu, pois é neste contexto onde estamos inseridos, que se pode notar de maneira bastante clara a diversidade de serviços e comércios informais que polulam. Também resolvi falar de outras atividades, como: o transporte alternativo; os scooter-táxis; os guardadores de carros; as micro-lojas (lojinhas de R$ 1,99) e as ‘biroscas’. Quanto a isso observemos o que dizia o Geógrafo Milton santos acerca da ocupação e dominação de territórios por grupos, na ausência ou conivência do estado:

“O reconhecimento mais profundo de como se dão as relações entre frações da sociedade e frações do território poderá ajudar na formulação de novas proposições quanto a estrutura e ao funcionamento do Estado.”

(Milton Santos. In Território e sociedade, entrevista com Milton Santos)


“Milton Santos afirma não ser possivel conceber uma determinada formação sócio-econômica sem se recorrer ao espaço. (...) Conjunto de ações espacialmente localizadas que impactam diretamente sobre o espaço, alterando-o no todo ou em parte ou preservando-o em suas formas e interações espaciais.”

(Roberto Lobato Corrêa – in.“Espaço, Um Conceito Chave da Geografia”) 

Como não há incentivo das esferas de poder (federal, estadual e municipal) para modificar a realidade ‘canibal’ do momento (desemprego ou subemprego formal), muitos moradores destas comunidades que há bem pouco tempo faziam parte dos quadros de diversas empresas públicas recentemente privatizadas pela sanha neo-liberal (que devorou as entranhas da máquina do governo e jogou na sarjeta do mercado de trabalho uma infinidade de pais de família) foram obrigador a irem para a informalidade.

Hoje a maioria desses demitidos trabalha em pequenos comércios espalhados pela comunidade, ou como camelôs, ou vanseiros, ou estão subempregados, causando uma competição desenfreada por pontos como ocorre no Ponto Chique de Padre Miguel, no calçadão de Bangu, Centro de Realengo e nas demais áreas comerciais dos sub-bairros de Bangu e Realengo, o que também gera certa forma de violência, a visual, pois são aproveitados quaisquer espaços viáveis – como a varanda da casa, a garagem, a fachada do apartamento, os intervalos entre apartamentos, entre outros – para construção de biroscas, mini bazares, lojas de bijuterias, carroças de Hot Dog, de X-tudos, e as micro-lojas, conhecidas no bairro como lojinhas de R$ 1,99 (pelo fato de a maioria de seus produtos virem de Taiwan ou da China, e custarem sempre nesta faixa de preço) que fazem enfeiar ainda mais a paisagem outrora singela de bairro periférico, porém não tão miserável e espoliado como vem se tornando ultimamente. 

Não se vê nenhum órgão Público no local, para disciplinar essa esta ocupação desordenada, nem para fiscalizar a procedência das mercadorias ou para testar a qualidade dos produtos alimentícios vendidos (fast foods), a Vigilância Sanitária fiscaliza apenas os estabelecimentos que recolhem o ICMS, desprezando os interesses do consumidor.

Quando precisamos passar pelo buraco do Faim em Bangu, ou pelo buraco do Viana em Padre Miguel, ou então pela passarela da estação ferroviária de Bangu é que percebemos como o desemprego está alto. A quantidade de camelôs (DESORDEM) é enorme e não tem repressão da Guarda Municipal (ORDEM) que dê jeito, pois tiram os camelôs daqui e eles esperam a poeira baixar e logo retornam, trazendo os produtos de procedência ignorada (nem tanto, pois sabemos a rota de entrada e saída deles). Nem os Camelódromos conseguiram dar resultado prático, no sentido de ordenar este tipo de comércio, pois é sabido, que quando houver relação formal, a camelotagem perderá o sentido e acabará, portanto o Camelódromo é um projeto natimorto. 

Isso sem falar dos vanseiros, kombeiros e topiqueiros, e outros ‘eiros’ que disputam de maneira acirrada e feroz o território (ponto enquanto o local fixo de espera de passageiros e linha, quando em circulação). Onde este embate é melhor percebido, no largo em frente ao buraco do Faim e da pracinha em frente ao Supermercado Prezunic em Padre Miguel, disputas que por vezes acabam em agressão física, isso tudo para ter direito a usar um trajeto, que pode ser do Largo do Faim até a Central, ou mesmo o do transporte cabritinho, que é aquele que leva o morador para dentro da favela, onde os ônibus regulares não entram, por imposição da guerra pelo poder do tráfico de drogas na região, que eclodiu após a prisão do líder do tráfico local.

A Prefeitura tenta fazer uma espécie de concessão à este modelo transporte (como na Cidade do México), mas dificilmente dará resultado, pois ferirá muitos interesses escusos escondidos.

Porém até o transporte de vans e kombis (cabritinho) vem sendo substituído nas favelas pelo scooter-táxis, onde motonetas de baixa cilindrada são usadas para buscar os moradores no sopé do morro, ou no ponto dos ônibus distantes da favela, onde o moto-taxista já leva, inclusive, um capacete reserva para seu freguês, que na maioria das vezes já agenda esta busca com antecedência numa espécie de central, onde tem sempre um líder que o instrui a dizer ao passageiro e a polícia, em caso de blitz, que o passageiro é conhecido e pediu carona (Fonte: M. um menor de 16 anos da favela Morro do Sandá, que ‘dá carona’ para moradores que ficam na ‘pista’, como ele mesmo diz – junho de 2012), hoje já há uma organização maior e os serviços de mototaxistas já está mais às claras funcionando até mesmo uniformizado numa espécie de cooperativa. 

Há também na região (sabemos que em toda grande e média cidade), outro fenômeno sociológico bastante visível, o dos guardadores de carros nos logradouros e praças. Também são fruto dessa Globalização (totalitária e autoritária a nós imposta) da economia e do Neo-liberalismo – via desestatização, privatizações e demissões – que faz com que um enorme contingente de mão-de-obra desqualificada seja largada à própria sorte, e pelo simples instinto de sobrevivência, logo se abre um ‘leque’ de opções de atividades que possam dar o lucro necessário para a subsistência deste cidadão que fora ‘penabundeado’ e de seus familiares. 

Notei na região uma disputa feroz pelos locais mais atraentes desta atividade de ‘tomador de conta automotivo’, mais precisamente nas seguintes localidades: rua Cônego de Vasconcelos, por causa do Calçadão de Bangu; rua Sul América, pelos serviços formais oferecidos; rua Figueiredo Camargo; ruas no entorno do Estádio Proletário Guilherme da Silveira, em dia de jogos e recentemente no entorno da novíssima quadra da Mocidade Independente de Padre Miguel, em dias de ensaios e escolha de samba de enredo; entre outros locais menos disputados, porém bastante rentáveis. 

Aqui também o Poder Público não consegue estabelecer a ordem, foi tentado o estacionamento com ticket da prefeitura e não houve respaldo, nem dos guardadores, nem da sociedade local, que parece preferir o serviço underground. Mas há certa repressão, eventual, poderíamos dizer até sazonal, em época de eleição, quando há a necessidade de mostrar serviço, mesmo assim os guardas municipais e a própria Polícia Militar, não consegue fazer seu pael a contento, devido a corrupção, pagamento de propinas e avisos prévios das incursões virtuais do Poder Público no local (Fonte: Guardadores do entorno do calçadão de Bangu e da Fábrica que virou Shopping Center– maio de 2012). 

É certo que todo tipo de irregularidade deve ser punida, ainda mais por que não recolhem os impostos necessários a manutenção do próprio estado, além de desorganizarem ainda mais o já caótico cenário urbano carioca, e em se tratando de desordem urbana e caos social, a atuação dos informais se evidencia mais ainda.

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